A Nova Era – semana #52: Deus está conosco, mas nos abandonou aqui

Vem que a semana foi curta de notícias. Teve atentado, números econômicos questionados e Moro sendo colocado no seu lugar.

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The following takes place between dec-24 and dec-30


Fogo no parquinho

Na madrugada de terça-feira (24), a sede da produtora do Porta dos Fundos foi alvo de um atentado terrorista. As câmeras pegaram três indivíduos lançando dois coquetéis molotov no imóvel.

Em vídeo, uns abobados se vincularam a um grupo integralista e assumiram a autoria do ataque. A polícia civil, porém, trata o caso como tentativa de homicídio e explosão. O motivo? O grupo citado no vídeo negou fazer parte da história.

No último ano, o blog (e outros veículos de mídia de maior destaque) foi responsável por montar uma triste coleção de ataques às liberdades no país. Aqueles que se dizem a favor deste valor, mas insistem que toda opinião tem a mesma validade, deveriam começar a rever os seus conceitos. Quando tratamos o incentivo de governantes ao obscurantismo e a barbárie como algo comum e válido, as chances de perdemos a nossa autonomia são altas.

A democracia é construída diariamente. Que em 2020 ninguém se esqueça disso.

Negging com a indústria nacional

Em 2020, Bolsonaro valorizará a indústria nacional. Na última semana, o presidente renovou a Cota de Tela, que reserva um número mínimo de salas de cinema para filmes nacionais. Mas não sem perder a oportunidade de fazer escárnio com os estudantes das belas artes.

Após o “up” para os produtores de Bacurau e outras grandes obras que só são bem apreciadas após 11 exibições, Jair foi às suas redes para desvalorizar a indústria nacional: disse que a cota será revista se o brasileirinho fizer bons filmes e que interessem a “população como um todo e não as minorias”.

2019 foi o ano que duas produções brasileiras ganharam prêmios inéditos no Festival de Cannes. A última semana também foi a que a esposa do presidente foi ao cinema ver Minha mãe é uma peça 3, filme que está faturando mais do que o último Star Wars.

Tratando apenas do que não é relevante

A nomeação de reitores, ao menos nos próximos meses, mudará. A MP 914, publicada na entradinha do Natal, criou uma nova regra de nomeação para os gestores de universidades públicas, institutos federais e o Colégio Pedro II. Agora:

  • o presidente poderá nomear qualquer uma das três pessoas que estiverem na lista tríplice indicada pela universidade (a tradição, até então, é de se nomear sempre o primeiro colocado);
  • a consulta para o nome do reitor será feita, preferencialmente, por meios eletrônicos;
  • o voto deixará de ser paritário nos locais em que assim se faz;
  • o reitor, que só poderá ser um professor que ocupa cargo efetivo na instituição, poderá escolher o vice-reitor e os diretores-gerais de cada campi.

O que não se está definido, porém, são os critérios para assegurar a integridade e confidencialidade dos processos de votação eletrônica — isso ficou para depois. Também não se decidiu se a MP terá apoio dos parlamentares para virar realidade (mas já encontra resistências no meio acadêmico). MPs tem prazo para serem votadas, o que pode muito bem reduzir o estrago causado por essa.

O que o governo não definiu, porém, é o projeto de lei para instituir o Future-se. Os parlamentares do Congresso estão até hoje sem saber exatamente como o Ministério da Educação pretende formalizar a iniciativa. Talvez o ministro esteja ocupado demais fazendo as próprias malas para pensar nisso.

Pequenas notas do Quinto dos Infernos

Atenção concurseiro

Há algumas décadas uma nova Constituição foi escrita. Num buraco muito empoeirado dela, há uma parte que diz que funcionários públicos até tem estabilidade, mas isso depende: em caso de processo administrativo (regulamentação pendente), todo concurseiro pode ser convidado a se retirar.

Agora, no finalzinho de 2019, o governo lembrou-se desse detalhe e resolveu ir atrás dos meios necessários para demitir funcionário com baixo desempenho. A ideia é colocar, no pacote da reforma administrativa, a regulamentação necessária para avaliar e punir quem não trabalhar direito. Tudo isso tomando os cuidados para evitar acusações de perseguição política.

Há dois caminhos possíveis para isso ser feito. Um é apenas regulamentar o artigo da Constituição sobre demissão após processo administrativo (muito difícil de acontecer, mas possível). Outro é alterar a Carta e, assim, restringir as mudanças apenas para os novos servidores (quase impossível de acontecer).

2020 é ano de eleição municipal e muito candidato dependerá de apoio dos deputados para serem eleitos. 2020 será um ano animado.

Fica aí no seu lugar

O pacote anticrime finalmente entrou em vigor. Após todo o legítimo processo democrático de mudanças, o projeto apresentado pelo ministro da Justiça foi sancionado com 22 vetos. Saíram do texto original pontos como o excludente de licitude e ficaram itens novos, como o juiz de garantias.

Moro, acostumado a mandar e desmandar, resolveu agradecer a votação a favor com uma reclamação. Disse que não era o resultado dos sonhos e que o juiz de garantias não deveria estar lá. Deveria ter conversado mais com o seu chefe.

O que o ministro não mencionou na sua reclamação (que foi apenas uma no ciclo de butthurt dos lavajatistas de internet e entidades que também reclamaram da nova lei contra abuso de autoridade) é que a ação de Bolsonaro pode ajudar o próprio filho. Quem poderia imaginar que o presidente utilizaria o poder público, mais uma vez, para beneficiar a própria família e cercear o poder de ação do magistrado “linha dura” que cuida do caso do filho, não é mesmo!!!!!

Marco Aurélio Mello, porém, avisa que, se foi este o motivo de o presidente apoiar a mudança, ele pode dar com os burros n’água. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) lembrou que à Folha de S. Paulo que “a lei é editada para viger para o futuro e não retroativamente‘. Aliás, a maioria do Supremo (mas não todo mundo) é a favor da medida.

O fato é que não se sabe ao certo, até o momento, como o tal “juiz de instrução e também das garantias” será implementado. A mudança foi feita aos 45 do segundo tempo e já há gente por aí se movimentando contra ela no Senado. Não será um susto, portanto, se os senadores alegarem que a nova norma não está alinhada com a Lei de Responsabilidade Fiscal.


Eu escrevi e revisei (de jejum) este texto. Mas apesar de a língua ser viva, você pode apontar qualquer erro diretamente no meu Twitter.